Há 80 anos, o primeiro poço de petróleo era descoberto no Brasil. Em 1939, o bairro de Lobato, em Salvador (BA), viu jorrar o ouro negro, iniciando a exploração do combustível fóssil em solo brasileiro. Ao longo do século 20, ficou claro que o petróleo era essencial para a industrialização, já que diversos derivados podem ser extraídos do óleo, como a gasolina, o óleo diesel, o betume e o plástico, além do gás natural.
As décadas se passaram e, em 2008, uma das maiores reservas do Brasil começou a ser explorada. Os poços do pré-sal, descobertos em 2007, foram apontados como a grande esperança do País no final da década passada. Passados 11 anos do início da exploração, os poços em águas profundas têm exigido um grande esforço da Petrobras, mas já responde por mais da metade da produção nacional de petróleo, e por 1/3 do gás natural extraído em território brasileiro.
Entretanto, para entender a operação do pré-sal, é preciso voltar no tempo. Mais precisamente, para o início da exploração petroleira do Brasil. Em 1953, após uma forte campanha nacional, a Petrobras foi criada no governo de Getúlio Vargas. Na época, as reservas eram pequenas e só estavam em solo. Por isso, a produção nacional não conseguia dar conta da demanda crescente de petróleo, obrigando o País a seguir importando o combustível fóssil.
A única forma de ampliar a extração do petróleo era por meio de pesquisas. Para conseguir recursos, a Petrobras iniciou um forte investimento em refinarias, que se tornaram uma importante aliada na busca por mais verba para o descobrimento de novas reservas no Brasil.
Foi dessa forma que a companhia brasileira notou que sua maior riqueza não estava sob o solo, mas sim no fundo do mar. Em 1968, foi iniciada a exploração marítima com o campo descoberto no litoral do Sergipe. Nessa época, a extração do petróleo era feita em águas rasas, com no máximo 40 metros de profundidade.
O cenário começou a mudar nos anos 1980, quando a Petrobrás notou que havia campos mais profundos. Esses poços estavam localizados a até 1 mil metros abaixo do nível do mar. Até então, não existia tecnologia para a extração de petróleo nessa profundidade, o que obrigou a empresa nacional a investir em novas ferramentas e estruturas para conseguir extrair o óleo das profundezas do oceano Atlântico.
Dessa forma, ainda sem imaginar que era capaz de existir uma reserva abaixo da camada de sal, a Petrobras começava uma nova era em sua história.
Regularmente, as petroleiras fazem mapeamentos para descobrirem novos poços de petróleo. A origem do combustível extraído no litoral brasileiro, entretanto, intrigava os pesquisadores, já que tudo indicava que a rocha geradora do óleo estava abaixo da camada de sal.
Para comprovar essa teoria, navios foram enviados para fazerem uma espécie de ultrassom do fundo do mar, realizando uma mapeamento 3D do litoral brasileiro. E, conforme a Petrobras, suspeitava, havia diversos campos de petróleo na camada pré-sal. A alegria do descobrimento, entretanto, logo se tornou um grande desafio, pois seria necessário criar novas tecnologias para abrir poços a mais de 7 mil metros de profundidade. Isso sem contar que os 2 mil metros da camada de sal poderiam ser um problema extra, já que ela pode desabar conforme são feitas as perfurações.
Apesar das dificuldades, a Petrobras tem conseguido extrair o petróleo da área que ocupa cerca de 149 mil metros quadrados, entre o litoral do Espírito Santos e de Santa Catarina. São 110 poços ativos, responsáveis pela produção diária de 1,928 milhões de barris de petróleo e 79,3 milhões de m³ de gás natural, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), referentes ao mês de agosto de 2019.
Assim que a descoberta do pré-sal foi anunciada, em 2007, as ações da petroleira brasileira, e das parceiras da britânica BG Group, da Grã-Bretanha, e Petrogal/Galp,de Portugal, tiveram alta nas bolsas de valores. Investidores de todo o mundo passaram a se interessar pela novidade brasileira, já que ela tinha potencial de aumentar grandemente a capacidade produtiva de petróleo. Em 2009, falava-se em dobrar a produção nacional.
Naquele ano, o Brasil produziu 2,029 milhões de barris de petróleo por dia. Em agosto de 2019, o País gerou 3,828 milhões de barris de óleo equivalente por dia. Sendo assim, passados 10 anos do início da exploração do pré-sal, a extração está próxima da promessa feita há uma década.
Entretanto, por mais que já seja o principal produtor de petróleo no Brasil, o potencial econômico dos reservatórios ainda não foi completamente explorado. Há ainda algumas indefinições e incertezas que se arrastam há uma década.
Ainda em 2010, pouco tempo depois do início da operação do pré-sal, foi assinada a Lei de Partilha, que exigia que a Petrobras estivesse em todos os consórcios de exploração dos blocos do pré-sal, com participação mínima de 30%. Na época, o governo brasileiro exigia que fosse feita uma lei específica para as novas jazidas de petróleo, já que, na visão dos líderes brasileiros, o pré-sal representaria um risco exploratório praticamente nulo.
Por isso, no entendimento dos governantes, era necessário uma participação maior do Estado na partilha dos lucros. Além da nova lei, foi criada a Pré-Sal Petróleo (PPSA), juntamente com o Ministério de Minas e Energia, naquele mesmo ano. A estatal tinha como missão administrar os contratos de petróleo e os de partilha dos poços de petróleo.
Por mais que tenha agradado aos interesses do governo da época, o novo marco regulatório não foi bem aceito pelas petrolíferas estrangeiras. Segundo especialistas, toda exploração de petróleo é passível de riscos, já que não existe extração garantida.
Além disso, o Brasil já tinha a Lei do Petróleo. Criada em 1997, ela quebrou o monopólio da Petrobras e abriu a entrada de empresas estrangeiras. A legislação também determinou o regime de concessão, onde o setor privado passa a poder explorar uma área, contanto que realize pagamentos de royalties ao poder público, com o dinheiro sendo dividido entre a União (60%) e estados e municípios (40%).
Mesmo com o descontentamento do setor privado, a Lei de Partilha passou a vigorar no País. E, mesmo com a regulamentação, os leilões demoraram para começarem. O primeiro edital foi aprovado apenas em 2013, sendo o campo de Libra, o maior campo do Brasil, escolhido para iniciar os pregões.
Nesse mesmo ano, em respostas ao protestos que aconteceram durante o mês de junho, o governo brasileiro determinou que os royalties do pré-sal fossem utilizados para as áreas de educação e saúde do Brasil.
Embora estivesse otimista, o governo da época teve que lidar com críticas e protestos de alguns setores da sociedade. Movimentos sociais defendiam que apenas a petroleira brasileira deveria operar os poços, já que se tratava de uma riqueza nacional.Os líderes do País rebatiam, pois argumentavam que essa era a única forma de viabilizar a extração dos campos do pré-sal, por conta dos custos da operação.
Foi com esse cenário que, em outubro de 2013, um consórcio formado por Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC, arrematou o leilão de Libra. Conforme previsto por lei, a empresa brasileira teria que ter 30% de participação, e arrematou mais 10%, ficando com 40%, a maior fatia. Os outros 60% foram divididos entre as outras petroleiras. O consórcio também teve que pagar R$ 15 bilhões à União, por conta de um bônus de assinatura do contrato.
Passado o leilão de Libra, que foi considerado um sucesso pelos governantes, houve um longo hiato até o próximo pregão do pré-sal. Apenas em 2017 foram realizadas as rodadas 2 e 3, feitas em conjunto. Entretanto, um ano antes, houve uma importante mudança nas regras. Amargando prejuízos e envolvida em escândalos de corrupção, a Petrobras perdeu boa parte de sua capacidade financeira desde o início da operação lava-jato, em 2014.
Com uma política de contenção de gastos, não era interessante para a estatal brasileira ser obrigada por lei a ter pelo menos 30% de participação em cada leilão. Dessa forma, em novembro de 2016, uma nova lei foi aprovada pelo Congresso Nacional. Ela dizia que a Petrobras não era mais obrigada a operar os campos de petróleo. Em vez disso, a empresa poderia optar qual jazida receberia os investimentos.
A medida ajudou a aliviar os cofres da Petrobras. Em contrapartida, abriu-se as portas para que mais empresas estrangeiras explorassem os campos de pré-sal. Já com essa lei em vigor, em 2017, as rodadas 2 e 3 do leilão do pré-sal ofereceram oito campos localizados nas bacias de Campos e Santos. Ao todo, foram 16 empresas participantes, entre nacionais e estrangeiras.
Em junho de 2018, quase 10 anos depois do início da exploração do pré-sal, a quarta rodada de partilha foi feita pelo governo. Dos quatro blocos oferecidos, três foram arrematados. A quinta rodada foi realizada no mesmo ano, durante o mês de setembro. Nela, foram leiloados mais quatro áreas de exploração de petróleo e gás.
Já em 2019, a sexta rodada foi realizada em novembro, ofertando mais cinco áreas do pré-sal. Porém, embora tenha arrecadado R$ 5 bilhões, apenas um bloco foi arrematado no pregão, ficando com Petrobras e a chinesa CNODC.
Além da quinta rodada do pré-sal, um outro megaleilão foi o da cessão onerosa. Nele, não foi leiloado campos que precisam de exploração, mas sim blocos com recursos já descobertos. Isso foi necessário pois, quando foi criada a Lei da Partilha, em 2010, ficou determinado que a Petrobras tinha o direito de produzir 5 bilhões de barris nos campos do pré-sal. Posteriormente, conforme as áreas foram sendo analisadas, descobriu-se que havia entre 6 bilhões e 15 bilhões do combustível fóssil, segundo a ANP.
Portanto, o que foi oferecido é justamente esse petróleo produzido a mais, em áreas que já são conhecidas e que estão prontas para serem exploradas. Tanto que a Petrobras já conta com plataformas na região. As reservas ocupam aproximadamente 2,8 mil km² e estão ao sul da cidade do Rio de Janeiro.
Dos quatro blocos oferecidos, apenas dois foram arrematados. A Petrobras (90%), juntamente com as chinesas CNODC Brasil (5%) e CNOOC Petroleum (5%), ficaram com o de Búzios. Já o de Itapu ficou sob controle total da petroleira brasileira. Com isso, o governo brasileiro arrecadou R$ 69,96 bilhões, dos R$ 106,5 bilhões previstos.
Do total que entrou no cofre do governo brasileiro, R$ 34,6 bilhões será pago à Petrobras. Esse montante representa parte da revisão do contrato de exploração da área. O restante do valor será repassado para a União (67%), estados e Distrito Federal (15%), municípios (15%), e o estado do Rio de Janeiro (3%), já que os poços estão no território fluminense.
Por mais que não tenha atingido a previsão financeira do governo brasileiro, o resultado do megaleilão da cessão onerosa foi celebrado pelos comandantes do Brasil. Apontado como maior evento fiscal de 2019, o pregão vai injetar verba para municípios e estados, o que pode colaborar para o equilíbrio das contas.
Além disso, os valores arrecadados em leilões neste ano são suficientes, de acordo com o governo brasileiro, para os investimentos necessários para a exploração e produção de gás no território do Brasil.
Embora tenha celebrado o resultado dos últimos leilões, o governo brasileiro cogita mudar as regras para os próximos pregões. O regime de partilha, em vigor há quase 10 anos, pode ser alterado, já que ele pode afastar investidores, segundo os líderes do Brasil. Caso seja aprovada a mudança, seria o fim do polígono do pré-sal, que é a área delimitada de 149 mil km² sob o regime de partilha, além do encerramento da preferência da Petrobras de explorar os campos de petróleo abaixo da camada de sal.
Todas essas incertezas atrapalham o futuro da maior reserva brasileira. Segundo as previsões da ANP, a próxima década representará o auge da exploração do pré-sal. A agência aposta alto no potencial das jazidas, dizendo que a capacidade de produção nacional pode mais que dobrar nos próximos anos.
A projeção recente é bem animadora e diz que o Brasil vai produzir 7,5 milhões de barris por dia em 2030, com 170 plataformas em operação até lá. Caso atinja esse volume, o País pode se tornar o 4º maior produto do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia. Atualmente, a produção brasileira ocupa a 10º no ranking, segundo o levantamento CBIE/BP Statistical Review 2019.
Além da produção, a ANP também prevê um grande aumento na arrecadação. Por enquanto, as petroleiras repassam ao governo R$ 60 bilhões por ano. Até 2030, a expectativa é que o montante atinja os R$ 300 bilhões. Como os próximos leilões só devem acontecer em 2020, os próximos passos do governo brasileiro serão essenciais para o futuro do pré-sal e como seus rendimentos serão administrados pelos governantes do Brasil.
O futuro é promissor, ao menos de acordo com as previsões. Entretanto, é necessário que haja um bom planejamento para a administração dos recursos, desenvolvendo uma infraestrutura concreta para os investimentos nas áreas de educação e na própria indústria, já que o petróleo das reservas é abundante, porém é um bem finito.
Por isso é tão importante planejar a administração dos recursos financeiros provenientes do petróleo, para que não haja uma dependência do óleo fóssil. A única forma de evitar esse cenário é utilizando os lucros da exploração para financiar outras áreas, como a educação e a infraestrutura do país.